terça-feira, 30 de dezembro de 2014

12º dia: em Coroico

Luís:

Hoje mal saímos do lugar, mas por opção mesmo.

Amanheceu chovendo, aliás, chovera a noite toda. Acordamos por volta das 8:40h e fomos à recepção do hotel. Fui tentar trabalhar, mas apenas consegui postar alguns textos no blog com imagens que já fizera o upload em outro wi-fi, pois este aqui do hotel não estava muito bom.

Não consegui conexão com o Banco Central do Brasil, precisava fazer uma operação para um cliente, mas não deu certo.

Aproveitamos para copiar as fotos das câmeras, aquelas que foram tiradas nos últimos 3 dias entre Cochabamba e Coroico, quando estivemos sem conexão com o mundo.

Choveu até ao menos meio dia. Então ficamos com um longo café da manhã, com direito a um convite para saborear um café boliviano completamente orgânico, produzido sem nenhum químico industrializado, convite este feito por Fabian, Eric e Jacky, os anfitriões do hotel, e que fazem perfeitamente bem este papel.

Ficamos por horas conversando sobre um pouco da história econômica e política da Bolívia, sobre o que ocorre aqui, algo semelhante ao que ocorre no Brasil atualmente...trataremos disso em breve.

Aproveitei e ajustei a rota que faria hoje na “estrada da morte”, que acabou ficando para amanhã, dia 31 de dezembro, pois como a chuva foi até meio dia seria complicado passar por esse trajeto sob chuva, até porque não haveria muita graça ficar meio à neblina sem ver as belas paisagens. Espero que amanhã o tempo seja melhor, quem sabe até ensolarado.

Preparei no GPS cinco partes de rotas, entre Coroico e Copacabana, já no lago Titicaca. Aí você me pergunta, por que cinco rotas?

Porque há alguns erros no mapa boliviano (bolirut) que baixei na internet e dois trechos da estrada da morte estão desconectados, apesar de serem continuos. Assim, o GPS (tanto pelo basecamp como pelo mapsource) não consegue fazer uma rota ligando esses pontos que não são contínuos.

Fiz então uma rota de “cinco dias”, ou cinco trechos diferentes, como se andasse e parasse, para então começar uma segunda parte da rota, terceira, etc... Assim deu certo.

Mas a melhor dica recebida dos anfitriões foi a sugestão para visitar a cidade de Tiahuanaco, que fica a oeste de La Paz, bem perto do Lago Titicaca. É uma cidade histórica e que as ruínas remontam a períodos anteriores aos incas. Isso mesmo, são ruínas de uma cidade e civilização que prosperou antes mesmo de Macchu Picchu. Obviamente não tem a mesma grandeza que Macchu Picchu, pois não está encravada nas montanhas, mas tem cortes em rocha muito maiores do que os vistos em Macchu Picchu.

Ajustei então a rota para passar poe Tiahuanaco e fazer um giro por uma península que passa pelo vilarejo de Arasaya, às margens do lago.

Só espero tempo bom e também tempo suficiente para fazer toda essa rota, que vai dar 203 km. Não pense que 203km se faz em 2h, pois na rota da morte são 30km (ou pouco mais que isso) e não se anda a uma velocidade acima de 40km/h. Considerando o que escutei até agora, a rota da morte é até mais estreita que as rotas pelas quais passamos até agora de Irupana até aqui. Se bem que em alguns pontos pelos quais passamos a rota era tão apertada que mal cabia um veículo. A questão é que ao que me parece, agora 100% destes pouco mais de 30km serão desta forma. O restante será asfalto, ou seja, 170km, mas com curvas e atravessando pequenos povoados, além de La Paz, a capital.

Feitos ajustes no GPS, caiu a internet e rede telefônica da cidade. Não consegui trabalhar. Mas por volta das 18:30h do horário brasileiro, 16:30h daqui, consegui emprestado um modem 4g pessoal do dono do hotel, que viu minha alfição em trabalhar. Ajudou bastante, pois antecipei o trabalho de fazer registros de câmbio no Banco Central do Brasil para um cliente e enviar e-mail com esses dados.

Pena que consegui isso fora do horário bancário, então o câmbio só vou fechar dia 2/jan, sexta-feira, quando o mercado reabrir.

Aproveitamos o pós almoço e fomos andar pela cidade, fazer compras (camisetas, lembranças e pilhas!), além de aparar a barba (na verdade só o bigode hehehe).

Um ponto curioso do dia foram as histórias discutidas aqui com o pessoal do hotel. Ficar parado às vezes rende mais história do que andar centens de km num dia.

Atualmente o presidente da Bolívia é Evo Morales, uma espécie de mistura de Lula com Chaves. Imagina só o que é isso. É o primeiro presidente de origem indígena no país cuja população de origem indígena é de 55%, sendo mestiços mais 30% e brancos (hispânicos) outros 15% quase. Negros são poucos e merecem um capítulo à parte neste relato.

Evo chegou ao poder em 2003 meio a uma guerra ligada a Peru e Chile, por conta do interesse boliviano em ter uma saída para o mar, mesmo que através de uma autonomia territorial, sem ter direito ao território. Estranho isso. É como se MG tivesse direito a explorar um porto no RJ ou ES aí no Brasil, mesmo não tendo fronteira com o mar. MG poderia cobrar impostos e taxas sobre movimentações de cargas neste posto e também levar/trazer mercadorias de seu território no continente livremente até o porto. Mas mesmo assim aquela terra não seria MG e sim ES ou RJ. Entendeu?

Papo vai, papo vem, entendi que Evo foi eleito presidente a partir desta guerra e revolta popular de 2003, quando a polícia e o exército brigaram um contra o outro, muita gente morreu em La Paz, e a população foi às ruas exigindo algo dos seus representantes. O presidente na época renunciou ao cargo, bem como o vice, depois o presidente da câmara, depois do senado, judiciário, etc... ninguém queria segurar a bomba na mão naquela hora. Daí chegou-se ao ponto de ser necessária uma nova eleição, pois o cargo estava vago na linha sucessória. Os candidatos que se apresentaram foram 4 ou 5 os mesmos que faziam parte do grupo que estava anteriormente no poder e, inovadoramente, Evo Morales. Talvez por falta de opção ou por acreditarem-se semelhantes a ele, a população votou em Evo e o elegeu em 2003 para 5 anos, que acabariam em 2008.

Reformar constitucionais permitiram a perpetuação dele no poder, assim como Chaves fez na Venezuela. Novamente, em 2014 houve eleições para o período 2015-2020 e Evo sagrou-se presidente.

Nesse período criou uma aposentadoria "grátis" para todos acima de 50 anos mulher e 55 homem. A expectativa de vida aqui não passa de 63 anos. Digo aposentadoria grátis porque não precisa ter contribuição prévia, basta existir. Como se fosse um bolsa-família mais "gordo" para velhinhos simplesmente pelo fato de atingirem uma certa idade.

Também subvencionou a gasolina (pouco mais de R$ 1,4) e a saúde, além da farinha e do açúcar. Se eu for ao mercado comprar gasolina, farinha, açúcar ou precisar de atnedimento médico, pagarei o preço para "internacionales", geralmente mais que o dobro. A gasolina vai de 3,47 bs para 8,68 bs para se ter uma ideia. Como não compro farinha nem açúcar não sei dizer a vocês. Tampouco pretendemos depender da rede pública de saúde local.

Além disso foi criado um inovador 14º salário, para trazer para o nosso idioma. Sim, além de 13º o trabalhador tem 14º salário. Imagina isso de repente para os patrões, como vão tirar mais um 13º do bolso no fim do ano? O que ocorreu então? Tudo aumentou de preço. Inflação.

Mais ainda... foi garantida uma isenção fiscal para os aymaras (aimarás), exatamente o povo de origem do Evo. É como se japoneses no brasil não precisassem pagar nenhum imposto. Você concordaria? Nada com japonês. Pode trocar...fala que ao invés de japonês é descendente de português ou de italiano...

Como nós somos muito mestiçados, fica difícil imaginar isso. Talvez com japonê seja mais fácil, tá bem na cara!

Daí, criado 14º salário, subvenção de combustíveis (gasolina, gás, diesel, etc), saúde, alimentos básicos, educação gratuita, aposentadoria sem contribuição prévia e outros benefícios para a população mais carente, ele (Evo) se reelege.

Algo parecido com o que o PT faz no Brasil?

Soa bastante com o que ocorreu na Venezuela, pois a gasolina tem preço risório lá, tudo é estatizado, todos dependem do governo, a economia parou e para 2015 o orçamento cobre até o mês de Abril.

Parece o Brasil, o orçamento cobriu até Outubro ou Novembro de 2014, lembram-se? E para dar um "pega rapaz" na legislação e fugir da responsabilidade fiscal a nossa querida Dilma aprovou a mudança no superávit. Vocês votaram nos senadores e deputados que aprovaram isso ein... não reclame. Fdp somos nós que elegemos. Mesmo que você não seja a maioria que elegeu essa galera, deixou de convencer seus empregados/prestadores de serviços e conhecidos que votaram neles...

Bem, o que Evo fez foi garantir o direito de ficar de 2003 a 2020 no poder com apenas duas eleições, sendo que a constituição local permite apenas uma reeleição pelo que compreendi.

E aí? Bolívia vai virar uma Venezuela?

Talvez não, quando a corda apertar aqui sabem que poderão contar com um país amigo como o Brasil e subir em 200% o preço do gás que a Petrobrás importa.

Nada mais justo do que transferir a inflação de país, não acham?

Bem, o que tem sido feito do lado social aqui me parece de grande valia, mas a que custo? É fácil dar dinheiro apra um pobre necessitado, todos querem fazer isso, até eu. Em ver a carinha desse povo nas estradas de terra carregando coisas pesadas nas costas andando de chinelo no barro, no sol, sob chuva, me parece algo mais que merecedor. Mas o país não produz riqueza suficiente para o governo gastar tanto e se comprometer financeiramente com o futuro. Afinal, 60% da população hoje tem até 25 anos. Quando chegarem aos 50/55 vão querer sua aposentadoria mesmo sem ter trabalhado. Daí não há sistema previdenciário que aguente.

O que virariam? Uma venezuela mais ao sul sem saída para o mar cujo maior importador é o Brasil? Compramos 41% ou mais do que eles vendem, basicamente o que vem pra nós é gás. Se dobrar o preço o gás a receita interna aumente absurdamente e fecham a conta. Mas até quando?

São 10 milhões de habitantes que no fim das contas, pagamos a conta de 4 milhões deles. De certa forma, com frieza, não é muita coisa para nós que somos 200 milhões de habitantes.

Todavia, olhando do lado boliviano, é um risco ter mais de 40% da receita alocada em apenas um cliente como Brasil, não acham? Afinal, se um dia formos autosuficientes na produção de gás, não precisaremos mais comprar deles, como a Argentina fez no passado.

Curiosidades econômicas e políticas à parte, vemos agora a etnica.

Não pude deixar de notar a primeira vez que vi um negro aqui na Bolívia. Até assustei, pois todos tem a mesma carinha de boliviano, aquele povo mais baixinho, corpo típico, cor morena, olhos puxados, assim como estes que moram em SP. No entanto, quando estávamos perto de Irupana, avistamos o que chamam de 1º povoado afro-boliviano. Uai, mais tem negro aqui? Sim, tem. E a história deles é tão triste quanto a dos negros que foram trazidos para o Brasil.

Os daqui entraram pela Colômbia e Equador pelos colonizadores espanhóis e foram usados nas minas em Potosí, nos antes, a uma altura de 4.000m sobre o mar. No que deu? Não aguentaram o frio e produziam pouco. Os indígenas locais produziam melhor no esquema de mita. E ao fugir, os escravos negros procuraram locais mais baixos, como a região de Irupana, que fica a 1.700m sobre o mar. Clima melhor, mais "amazônico", formaram suas vilas.

Não se miscigenaram muito, ficaram restritos a poucos povoados. Creio que aqui na Bolívia e em alguns pontos semelhantes do Perú foi o ponto mais ao sul no pacífico para onde os escravos negros foram trazidos.

É um tanto curioso o que a história fez, temos pessoas de origem africana num país de origem inca/quechua/aymara falando espanhol. Essa migração forçada ao longo do globo criou coisas tanto curiosas, quanto belas e também bizarras do ponto de vista humanitário. Veja-se o Haiti, uma ilha de exploração espanhola cujos escravos negros foram abandonados após a exaustão dos recursos destes locais.

Não seria justo cobrar da Espanha uma conta pela repatriação de escravos? Portugal, Inglaterra, França, Holanda e muitos outros colonizadores da época de 1.500 deviam pagar uma conta por conta da migração forçada de negros ao redor do globo. Afinal, a crise social imposta aos descendentes destes povos ao redor do mundo, em especial na América Central e do Sul, nem sempre fácil de engolir.

Discussões políticas, econômicas e sociais/demográficas superadas, notei que havia um caldeirão ao lado da recepção.

Era da família deles há 300 anos. Kct, 300? Sim, um caldeirão de cobre usado para fazer um prato típico de cordeiro. Nas últimas gerações fora usado para banho da Jacky quando era criança, sua mãe, etc...

A foto tem história.


Aproveitando para fazer a barba, aliás, o bigode.


Tinha gente de castigo no 1º andar por ter feito xixi no lugar errado...


Açougue é assim aqui na Bolívia, no meio da rua, com as carnes expostas para o cliente avaliar e os cachorros babarem.


Japa linda...


Luciana:

O dia infelizmente amanheceu chovendo muito e com bastante neblina e ficamos por aqui mesmo.
Tomamos café da manhã e ouvimos muitas histórias narradas acima pelo Luís. 
Ele ficou lá proseando mais um monte, mexendo nas fotos e internet e eu subi para ler. 
Minha mini Bíblia vai comigo no bolso em tds os lugares e hoje foi longamente lida.
Fiquei nas cobertas, só faltou o chocolate! Aliás, não como um chocolatinho desde que saímos do Brasil! 
Saímos tarde para almoçar e comemos o trivial daqui: Sopa de entrada e salada com frango. Hoje teve gelatina de sobremesa. 
Passamos na pelucheria e Luís aparou o bigodinho e minha vontade era de ficar por lá mesmo, fazendo hidratação no cabelo de Elba Ramalho que venho ilustrando nas fotos e assistindo Maria do Bairro que passava na TV. hahahah
Perto dos dias que tivemos, considerei o de hoje até entendiante. Não parece, mas não paro quieta, então minha cara era igual a da cachorrinha Lola estampada acima. Fiquei de castigo! 
Luís finalmente foi tomar o banho do dia agora para sairmos um pouquinho. 
Jantaremos e quem sabe conheceremos novas pessoas. Disso que eu gosto! 
Beijos!

2 comentários:

  1. Fala meu paulista fofinho!
    Se faltar janta hoje, toca fogo naquelas costelas da foto acima e ensina esses loco a fazer uma assado gaúcho!
    Aproveitem ao máximo!
    Um baita abraço da turma aqui do Sul!

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    1. Meu gaúcho preferido, que bom ler suas palavras de encorajamento para encarar aquela costela. Mas nem a pau faço isso. No dia seguinte quando fui buscar a moto no estacionamento passei pela rua dos açougues e na minha frente estavam dois caminhões soltando aquela fumacinha preta bacana sabe? E a fumacinha era na direção exata das carnes expostas na calçada. Ou seja, a carne aqui já vem defumada, não é incrível?
      hehhehe

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