quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

5ª dia: de Ladário/MS a Roboré/Bolívia

A VISÃO DELE: LUÍS

Hoje foi difícil. Aliás, foi foda. Cruzar legalmente a fronteira de Brasil x Bolívia através de Corumbá me custou 8 horas. Sim, oito horas. Isso nos fez perder um bom tempo de viagem e atrasar o trajeto, mas sem problemas...só um pouco de emoção ao pilotar de noite por estradas desconhecidas com bois pela pista no meio do nada, combustível acabando, sem previsão de abastecer e com pouco dinheiro local no bolso.


Saímos do Brasil e passamos por Corumbá, cidade vizinha a Ladário eram umas 10h da manhã. Não levou mais de 20min para passarmos pela Aduana brasileira.

O funcionário da polícia federal nos deu dicas sobre o que não fazer do lado boliviano, para evitar problemas de segurança que alguns brasileiros tiveram do lado de lá da fronteira. Não parar nos primeiros 150km em hipótese alguma.

Ao sair do hotel em Ladário vejam só a surpresa, uma casinha de joão de barro na sacada do hotel, incrível....e o passarinho foi tão chique que fez com vista panorâmica para o Rio Paraguay.





O hotel era da rede candeias, lembrei da minha sogra.

Logo que fomos passando por Corumbá começamos a ver as placas destino fronteira, alguns carros e motos bolivianos e o espírito da viagem foi mudando. Yo cambié el idioma para el español, pues tendría que hablar así por muchos días mas.

Bueno, aliás, bom...o último Banco do Brasil estava logo ali perto da fronteira.


Placas indicativas ajudaram a sair quase sem GPS.


Empezam a aparecer los coches bolivianos!


Tchau Brasil, país da corrupção, quotas e impunidade.



Polícia Federal e Receita Federal brasileiras. Não levou nem 10 min legalizar a saída. Simples e rápido, com computador e tudo...rs


Bom, agora começa uma outra história, que mereceria um capítulo a parte ou até mesmo um livro próprio.

A BOLÍVIA. A partir de agora não mandarei mais ninguém para o inferno, mandarei para o "Puesto de migración Puerto Soares". Sim, não mande seus inimigos mais para o inferno, mande-os para cá. Se possível faltando cópias dos documentos.

A fila fazia voltas...


O esquema da foto acima era assim. Tinha uma portinha na parte direita da foto, abaixo da escada, consegue ver?

Então, essa portinha abria e um policial boliviano colocava de 6 a 10 pessoas lá dentro. O problema é que velhos e pessoas com crianças de colo tinham prioridade. Nada mais justo. O foda é que só tinha velho e criança nessa porra na parte da manhã.


Esse é o local que a partir de agora para mim é sinônimo de inferno. Chegamos ali às 10:30h da manhã. A última ligação que fiz do Brasil, ali na Polícia Federal/aduana foi às 10:23h. Não levei nem 5 min para atravessar a fronteira, que tem poucos metros mas é uma bagunça absurda.

Só sairíamos daquele local às 18:30h daquele mesmo dia 23, terça-feira.

Logo que chegamos um motociclista brasileiro nos abordou e contou sua história daquele local, passou as dicas e o que deveria ser feito. De início você se assusta com a burocracia, mas nada demais.

O procedimento é absolutamente simples. Carimbam seu passaporte de entrada e dão uma autorização de permanência no país, como em qualquer outro lugar. Depois você faz um formulário de admissão temporária do seu veículo e entrega cópias de seus documentos à aduana local. E para fechar vai até um posto policial obter um documento deles que certifica que você é você, a moto é sua, e tem carta para dirigir. Ah, a aduana também da uma olhada no chassi ou nº do motor pra ter certeza que o documento é realmente daquela moto.

Parece simples, e de fato é. No Brasil deve ser parecido, fora essa parte de ordem da polícia. Migração e aduana são padrões quase no mundo todo.

O problema é a demora. A fila que não acaba, a lerdeza dos funcionários quase analfabetos tecnológicos que não sabem escrever seu nome nos formulários, falam ao celular e enrolam...

Então, esse motociclista brasileiro que nos abordou falou que chegara ali às 15h do dia anterior e não conseguira fazer todo o processo. Dormiram num hotel que pagaram 80 dólares e voltaram para fazer o restante da burocracia. Falaram também de pagar uma taxa de 50 bolivianos para a polícia emitir esse tal certificado pra vc andar com a moto pelo país, a tal "ordem de traslado".

Enquanto ficava e saía da fila, ficava rodeando os lugares onde devia fazer esses 3 passos. Aliás, os 2 primeiros eram ali, pois o esquema da polícia era mais adiante, uma cidade a 11km da fronteira.

O primeiro passo (migração) é naquela fila do kct. Já o segundo passo é nesse container ali que tem 2 pessoas dentro e um outro policial para distribuir senhas e "organizar" mais ou menos o esquema.


Logo que cheguei fui fazer câmbio de R$ 200 pelo dinheiro local.
Um senhorzinho cambista da esquina pagou melhor que a casa de câmbio. R$ 1 = Boliviano 2,35
A taxa de câmbio do Banco Central Brasileiro estava em 2,57. Então fiz as contas e ele estaria ganhando uns 8,5% sobre a taxa oficial.
Para mim está bom. Ele fica ali o dia todo no sol com uma mala de dinheiro. Tem o trabalho dele e é honesto.

Sabe qual a primeira coisa que fiz com o dinheiro boliviano?



Bem previsível né? hehehe Custou menos de R$ 1.

Quando vi que a fila não ia levar os mesmos 10min do Brasil, perguntei a esse cambista se não tinha um esquema de antecipar o negócio. Ele disse que tinha, pois uma mulher tinha um esquema com o guarda que colocava a galera pra dentro da imigração furando a fila por míseros 100 bolivianos. Isso equivale a R$ 42.

Estava disposto a pagar. Pois é uma decisão econômica pagar propina. Ao menos aqui. Você paga para não te encherem o saco ou complicarem sua viagem. Em especial para a polícia. Mas só quando você está disposto a pagar. E nesse momento eu estava. Afinal, do contrário iria encarar 80 dólares a diária por pessoa no hotel é muito mais caro que 42 reais para antecipar a migração. Trocaria R$ 216 de hospedagem por R$ 42 de propina. Seria excelente do ponto de vista econômico, mas não moral.

Pena que o esquema não rolou, a mulher do esquema com o guarda não estava ali hoje. Ficamos na fila. Finalizamos a migração por volta das 17h.

Sim, ficamos ali das 10:30h às 17h para obter um carimbo no passaporte e um no documento de entrada (aquela folhinha que preenchemos no avião geralmente sabe?).

E naquele container da aduana havia outro guarda que distribuía senha de vez em quando. Estavam atendendo o nº 15. Eu abordei o guarda e sutilmente tentei comprá-lo. Queria sair logo daquele inferno. Ele disse que não tinha como, que o jeito era aguardar na fila que seria atendido.

Pois bem, obtive a senha 32, meio às cotoveladas com os locais que queriam passar na frente. Nessas horas é bom ter 1,80m e 100kg frente aos bolivianos baixinhos.

Esperamos, esperamos...e um carinha foi fazer a inspeção da moto. Viu que não dava para ver claramente o nº do chassi e queria desistir, mas insisti e mostrei o nº do motor, que bate com um campo que tem no documento CRLV brasileiro, deu certo. Carimbinho na senha e voltamos para a fila aguardar ser chamado para preencher o formulário.

Ali na fila havia duas famílias de catarinenses de Xaxim e começamos a conversar. Estavam indo para Machu Picchu e chegaram ali antes de nós, às 06h da madrugada. Pegaram os mesmos problemas. Só que estavam em dois carros e mais gente, o que fazia demorar mais o atendimento deles. No total eram 8, sendo dois casais com 2 crianças cada. Muito gente boa. Produtores rurais do interior de SC.

De saco cheio, gravamos esse vídeo.


Chegou minha vez, a mocinha fez meu formulário manualmente, letrinha por letrinha do chassi, endereço....e para ela escrever Govanni Gronchi ??? hehehe Tive que escrever alguns dados num papel para ela copiar.

E no meio disso perguntei a ela: onde que a gente faz a ordem de traslado e paga a taxa de 50 bolivianos? Ela disse: é na polícia na cidade a 11km daqui, mas não tem que pagar taxa.

Como assim? Até agora era absoluta verdade que tinha que pagar a tal taxa. Todos os brasileiros que eu vi antes me contaram a mesma história. Confirmei com a moça da aduana e ela me disse que essa taxa não tem previsão, não existe, não tem que pagar.

Hum... então vamos lá fazer o tal papel.

Subimos na moto e andamos os 11km até a polícia na cidadezinha. Chegando, quem encontro? As mesmas famílias de catarinenses. Os dois pais já estavam na sala do chefão do lugar sendo atendidos. Então fui atendido por um outro policial. Cheguei junto com mais um brasileiro de placas de Bauru que estava com a esposa e passei na frente pela facilidade de falar espanhol com o guarda.

Ele preencheu o tal papel e levou para o chefe assinar.

O chefe veio, assinou, carimbou e grampeou com o meu documento de admissão temporária da moto. Em seguida, disse: "son 50 bolivianos".

Bem, nesse instante eu não quis pagar propina, pois não tinha fila. Então falei...em espanhol é claro....acho que brasileiro não precisa pagar essa taxa parece né, me disseram na aduana.

Nesse instante quebrou o "status quo" da situação. Ele deve ter pensado...puta merda, como assim esse brasileiro sabe que não precisa pagar a minha propina???

Bem, daí ele perguntou, mas vc é brasileiro nascido no brasil ou naturalizado? Pois podia inventar uma desculpa bla bla bla, mostrei o passaporte e ele enrolou. Saiu da sala com meu documento na mão e fui atrás dele. Daí, lembrando os conselhos do meu amigo careca Luciano Cogliati, pedi a "boleta", que seria o recibo. Ele argumentou que o banco já estava fechado àquela hora (eram 18:30h passadas) e que deveria esperar abrir no dia seguinte.

Eu disse, sem problemas...eu espero, pois a chefe da aduana me disse que não preciso pagar nada e que a taxa não existe. Então quero meu documento.

Ele não sabia o que fazer. Ficou um tanto pasmo. Tentou ligar para a aduana e ninguém atendia. Então eu insisti na situação e que ele devia dar o documento para mim. Não fiz ameaça alguma.

Nesse momento que apertei ele achei que ia espanar e complicar pro meu lado, mas ele simplesmente pegou o tal papel, desgrampeou e guardou na gaveta da mesa. Saiu da sala e foi até a sala do chefão ali. Falou algo com o cara e em 2 minutos voltou. Pegou o documento, grampeou novamente, conferiu e me entregou.

Olhei para ele, apertei fortemente sua mão e olhando bem nos olhos disse: obrigado.

Ficou sem graça.

Aprendi que aquele policial, apesar de ser um sub-chefe do local (dá pra ver pelos uniformes e broches etc), é facilmente subjugado. Ao menos esse foi psicologicamente controlado, devagar, nesta situação. Sutilmente saí do pedido de propina para conseguir gratuitamente o que devia conseguir sem pagar nada. Não precisei ameaçar nada. Até porque o Exército boliviano estava ali perto e não me custava nada voltar até lá e avisar que o chefe da polícia é corrupto.

Ia dar trabalho para eles e isso é algo que não querem.

Corrupção é algo engraçado. Horas antes quis corromper para economizar tempo e dinheiro, mas não consegui. Quando tentaram me extorquir não aceitei, pois não precisava. Vê só como é uma questão econômica e de comodidade? Não fique bravo por isso...

Papéis na mão, 100% legalizado no país, considero a fronteira cruzada. E a Super Ténéré que nos trouxe até aqui merece uma nova bandeira: Bolívia





Então seguimos viagem. O por do sol estava perto e tinha combustível para no máximo 350km. O destino programado estava para 520km dali. Certamente precisaria dormir no caminho, já eram 19h e estava escurecendo.

Segui viagem a 100km/h para economizar combustível quando do nada me deparo com uma corda cruzando a rodovia no chão e um idiota sentado numa casinha do lado da estrada. Pensei: que porra é essa?

Diminuí a velocidade e pude notar que o idiota era um guarda. Ele fez um sinal e quando passava notei que queria algo. Então parei depois da corda.

Fui até ele e me pediu todos os documentos que fizera ali na imigração. Entreguei, ele olhou e carimbou.



Papel carimbado, seguimos viagem.

Fui olhando no GPS a procura de duas coisas: combustível e hospedagem.

Os postos da rota eram longe, todos há mais de 200km dali. O primeiro seria em Roboré, uma cidade às margens da rodovia por onde iria passar. Hotel cadastrado no GPS achei só em San José de Chiquitos.

Para se ter uma ideia das distâncias, de Corumbá a Roboré são 250km e eu havia abastecido em Corumbá.

Até San José de Chiquitos seriam no total 387km.

Ambos os trechos seriam difíceis nesse dia, pois em Roboré não tinha certeza da disponibilidade de combustível e muito menos de hotel. Em Chiquitos teria hotel, mas talvez não combustível.

O sol se punha e precisava decidir. Roboré 250km ou Chiquitos 387km?






O por do sol foi bonito. Mas depois ficou um breu... e o pior era encarar os bois dormindo na rodovia, Por isso fui devagar, não passava de 100km/h

Uns 40km antes de Roberó passaram por nós as duas famílias catatinenses de Xaxim, já companheiros de viagem por assim dizer. Passei por eles e diminuímos a velocidade para falar rapidamente, me disseram que iriam para Roboré tentar abastecer.

Nessas condições, melhor andar em grupo do que sozinho eu e a garupa no meio do nada. Já estava fazendo planos de armar a barraca do lado da rodovia em algum cruzamento ou entrada de sítio, colocar as panelinhas para funcionar, fazer um rango e dormir por ali mesmo.

Então seguimos eles, bem melhor. Aproveitei o vácuo da Hilux SW4 e colei na traseira deles a 130km/h, previamente combinado, é claro.

A média de consumo não caiu muito, ficou em 18,4km/litro com a nossa beeeeela gasolina misturada com álcool, uma bosta.

Chegamos a Roboré e não achamos posto à vista. Então entrei numa estrada de terra atrás de um táxi e perguntei ao taxista onde era o posto. Ele disse que devia seguir a rodovia mais um pouco, mas que devia correr pois fechava às 22h. Já eram 21:47h.

Kct...e tinha lama naquela estrada. Chegaram os catarinenses e avisei eles que seguiria até o posto para tentar segurar aberto para todos abastecerem. Eles não seriam tão rápidos quanto a moto.

Andamos pela cidade, perguntamos para um, dois...até chegar ao posto.

O posto tinha 2 frentistas e 3 guardas do exército. É até engraçado.
Os guardas estão ali para assegurar que o combustível vendido para estrangeiros segue a regra local.

Combustível para bolivianos = 3,47 bolivianos o litro, aprox. R$ 1,35 no câmbio oficial.
Combustível para estrangeiros = 8,68 bolivianos o litro, aprox. R$ 3,37 no câmbio oficial.

Como pagamos 2,35 o boliviano, nosso câmbio mais caro, o litro saiu por R$ 3,69.

Está bom é justo. O povo local tem pouca renda e se algo que eles tem é gás e combustível, isso pode ser a preço de custo para a população.Imagina de a Petrobrás fizesse o mesmo? Meu tanque de 23 litros da moto não sairia mais que 20 reais com todo o petróleo produzido. Tirando a margem de corrupção, não sairia mais de R$ 1,50 o litro.

Pagamos apenas em dinheiro aqui, mas tá bom. Em seguida fui à conveniência do posto que estava quase fechando e comprei um pastel de queijo, parecido com uma empanada, e um suco de garrafa de plástico. Pra Luciana também. Comi aquilo durante o dia, além do café da manhã.

No caminho até o posto a Luciana viu 2 hotéis, então falamos os catarinenses e decidimos buscar hotéis juntos. O primeiro cobrou 180 bolivianos por pessoa, um absurdo, sairia por R$ 76 por pessoa. Eles estavam em oito... Bem, vamos ao segundo hotel.

Saiu bem mais barato e com 3 camas no quarto para eles. Todos dormiram em cama... no outro tinha que ficar um no colchão no chão.

Saiu 250 bolivianos para mim+luciana e 350 para eles. Em reais, para mim saiu 53/pessoa e para eles 37/pessoa.

Hora de dormir.

Aprendizado do dia: à primeira vista, após 8h de migração, a Bolívia é um país de merda. Ao passar a raiva, notamos que é apenas um país muito mais atrasado que o Brasil. Talvez alguns países da África sejam tão ruins como aqui no quesito desenvolvimento. Afinal, sou turista e trago dinheiro para o país, não vim fazer bagunça nem com intenção de corromper ninguém.

As pessoas são extremamente simples e parecem ser um povo sofrido. Nenhum aproveitador até agora. Nenhuma personalidade forte. Todos parecem ser facilmente subjugados, até o guarda que quis me extorquir ficou para trás.

Banho tomado, quarto com ar condicionado, cama... ufa. O tanque ta cheio! Dormi em paz.

A VISÃO DELA: LUCIANA

Sou pós doutorada em 'esperar', então 8h de burocracia só nos cansou o físico.
O segredo é não murmurar! Escolhemos como passaremos por cada situação, certo?

Apesar de tooodo o perrengue, este foi o primeiro dia de sol e sol com brisa!
Nem sofremos tanto com o calor!
Consegui almoçar o trivial e usar banheiro limpo ! Para o caos da situação estávamos muito bem.

Trâmites findados, seguimos viagem e fomos supridos com gasolina e um pastel quentinho no primeiro posto. Tudo isso nos 45 do segundo tempo, pois já era 21:45h e ainda precisávamos achar um lugar para dormir.
Deu tudo certo e vejo o quanto temos sido cuidados nos detalhes! (Salmos 27)

PS. As fotos lindas sou eu quem tiro e não sobrou nenhuma pra eu fechar o meu post. Luís fominha!



Um comentário:

  1. parabens a fotógrafa !!!! fotos realmente muito boas !!
    Luigi...nao seja tao fominha...senao vou te mandar pro puesto de migracion puerto soares hein !! hahahahah

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