terça-feira, 30 de dezembro de 2014

12º dia: em Coroico

Luís:

Hoje mal saímos do lugar, mas por opção mesmo.

Amanheceu chovendo, aliás, chovera a noite toda. Acordamos por volta das 8:40h e fomos à recepção do hotel. Fui tentar trabalhar, mas apenas consegui postar alguns textos no blog com imagens que já fizera o upload em outro wi-fi, pois este aqui do hotel não estava muito bom.

Não consegui conexão com o Banco Central do Brasil, precisava fazer uma operação para um cliente, mas não deu certo.

Aproveitamos para copiar as fotos das câmeras, aquelas que foram tiradas nos últimos 3 dias entre Cochabamba e Coroico, quando estivemos sem conexão com o mundo.

Choveu até ao menos meio dia. Então ficamos com um longo café da manhã, com direito a um convite para saborear um café boliviano completamente orgânico, produzido sem nenhum químico industrializado, convite este feito por Fabian, Eric e Jacky, os anfitriões do hotel, e que fazem perfeitamente bem este papel.

Ficamos por horas conversando sobre um pouco da história econômica e política da Bolívia, sobre o que ocorre aqui, algo semelhante ao que ocorre no Brasil atualmente...trataremos disso em breve.

Aproveitei e ajustei a rota que faria hoje na “estrada da morte”, que acabou ficando para amanhã, dia 31 de dezembro, pois como a chuva foi até meio dia seria complicado passar por esse trajeto sob chuva, até porque não haveria muita graça ficar meio à neblina sem ver as belas paisagens. Espero que amanhã o tempo seja melhor, quem sabe até ensolarado.

Preparei no GPS cinco partes de rotas, entre Coroico e Copacabana, já no lago Titicaca. Aí você me pergunta, por que cinco rotas?

Porque há alguns erros no mapa boliviano (bolirut) que baixei na internet e dois trechos da estrada da morte estão desconectados, apesar de serem continuos. Assim, o GPS (tanto pelo basecamp como pelo mapsource) não consegue fazer uma rota ligando esses pontos que não são contínuos.

Fiz então uma rota de “cinco dias”, ou cinco trechos diferentes, como se andasse e parasse, para então começar uma segunda parte da rota, terceira, etc... Assim deu certo.

Mas a melhor dica recebida dos anfitriões foi a sugestão para visitar a cidade de Tiahuanaco, que fica a oeste de La Paz, bem perto do Lago Titicaca. É uma cidade histórica e que as ruínas remontam a períodos anteriores aos incas. Isso mesmo, são ruínas de uma cidade e civilização que prosperou antes mesmo de Macchu Picchu. Obviamente não tem a mesma grandeza que Macchu Picchu, pois não está encravada nas montanhas, mas tem cortes em rocha muito maiores do que os vistos em Macchu Picchu.

Ajustei então a rota para passar poe Tiahuanaco e fazer um giro por uma península que passa pelo vilarejo de Arasaya, às margens do lago.

Só espero tempo bom e também tempo suficiente para fazer toda essa rota, que vai dar 203 km. Não pense que 203km se faz em 2h, pois na rota da morte são 30km (ou pouco mais que isso) e não se anda a uma velocidade acima de 40km/h. Considerando o que escutei até agora, a rota da morte é até mais estreita que as rotas pelas quais passamos até agora de Irupana até aqui. Se bem que em alguns pontos pelos quais passamos a rota era tão apertada que mal cabia um veículo. A questão é que ao que me parece, agora 100% destes pouco mais de 30km serão desta forma. O restante será asfalto, ou seja, 170km, mas com curvas e atravessando pequenos povoados, além de La Paz, a capital.

Feitos ajustes no GPS, caiu a internet e rede telefônica da cidade. Não consegui trabalhar. Mas por volta das 18:30h do horário brasileiro, 16:30h daqui, consegui emprestado um modem 4g pessoal do dono do hotel, que viu minha alfição em trabalhar. Ajudou bastante, pois antecipei o trabalho de fazer registros de câmbio no Banco Central do Brasil para um cliente e enviar e-mail com esses dados.

Pena que consegui isso fora do horário bancário, então o câmbio só vou fechar dia 2/jan, sexta-feira, quando o mercado reabrir.

Aproveitamos o pós almoço e fomos andar pela cidade, fazer compras (camisetas, lembranças e pilhas!), além de aparar a barba (na verdade só o bigode hehehe).

Um ponto curioso do dia foram as histórias discutidas aqui com o pessoal do hotel. Ficar parado às vezes rende mais história do que andar centens de km num dia.

Atualmente o presidente da Bolívia é Evo Morales, uma espécie de mistura de Lula com Chaves. Imagina só o que é isso. É o primeiro presidente de origem indígena no país cuja população de origem indígena é de 55%, sendo mestiços mais 30% e brancos (hispânicos) outros 15% quase. Negros são poucos e merecem um capítulo à parte neste relato.

Evo chegou ao poder em 2003 meio a uma guerra ligada a Peru e Chile, por conta do interesse boliviano em ter uma saída para o mar, mesmo que através de uma autonomia territorial, sem ter direito ao território. Estranho isso. É como se MG tivesse direito a explorar um porto no RJ ou ES aí no Brasil, mesmo não tendo fronteira com o mar. MG poderia cobrar impostos e taxas sobre movimentações de cargas neste posto e também levar/trazer mercadorias de seu território no continente livremente até o porto. Mas mesmo assim aquela terra não seria MG e sim ES ou RJ. Entendeu?

Papo vai, papo vem, entendi que Evo foi eleito presidente a partir desta guerra e revolta popular de 2003, quando a polícia e o exército brigaram um contra o outro, muita gente morreu em La Paz, e a população foi às ruas exigindo algo dos seus representantes. O presidente na época renunciou ao cargo, bem como o vice, depois o presidente da câmara, depois do senado, judiciário, etc... ninguém queria segurar a bomba na mão naquela hora. Daí chegou-se ao ponto de ser necessária uma nova eleição, pois o cargo estava vago na linha sucessória. Os candidatos que se apresentaram foram 4 ou 5 os mesmos que faziam parte do grupo que estava anteriormente no poder e, inovadoramente, Evo Morales. Talvez por falta de opção ou por acreditarem-se semelhantes a ele, a população votou em Evo e o elegeu em 2003 para 5 anos, que acabariam em 2008.

Reformar constitucionais permitiram a perpetuação dele no poder, assim como Chaves fez na Venezuela. Novamente, em 2014 houve eleições para o período 2015-2020 e Evo sagrou-se presidente.

Nesse período criou uma aposentadoria "grátis" para todos acima de 50 anos mulher e 55 homem. A expectativa de vida aqui não passa de 63 anos. Digo aposentadoria grátis porque não precisa ter contribuição prévia, basta existir. Como se fosse um bolsa-família mais "gordo" para velhinhos simplesmente pelo fato de atingirem uma certa idade.

Também subvencionou a gasolina (pouco mais de R$ 1,4) e a saúde, além da farinha e do açúcar. Se eu for ao mercado comprar gasolina, farinha, açúcar ou precisar de atnedimento médico, pagarei o preço para "internacionales", geralmente mais que o dobro. A gasolina vai de 3,47 bs para 8,68 bs para se ter uma ideia. Como não compro farinha nem açúcar não sei dizer a vocês. Tampouco pretendemos depender da rede pública de saúde local.

Além disso foi criado um inovador 14º salário, para trazer para o nosso idioma. Sim, além de 13º o trabalhador tem 14º salário. Imagina isso de repente para os patrões, como vão tirar mais um 13º do bolso no fim do ano? O que ocorreu então? Tudo aumentou de preço. Inflação.

Mais ainda... foi garantida uma isenção fiscal para os aymaras (aimarás), exatamente o povo de origem do Evo. É como se japoneses no brasil não precisassem pagar nenhum imposto. Você concordaria? Nada com japonês. Pode trocar...fala que ao invés de japonês é descendente de português ou de italiano...

Como nós somos muito mestiçados, fica difícil imaginar isso. Talvez com japonê seja mais fácil, tá bem na cara!

Daí, criado 14º salário, subvenção de combustíveis (gasolina, gás, diesel, etc), saúde, alimentos básicos, educação gratuita, aposentadoria sem contribuição prévia e outros benefícios para a população mais carente, ele (Evo) se reelege.

Algo parecido com o que o PT faz no Brasil?

Soa bastante com o que ocorreu na Venezuela, pois a gasolina tem preço risório lá, tudo é estatizado, todos dependem do governo, a economia parou e para 2015 o orçamento cobre até o mês de Abril.

Parece o Brasil, o orçamento cobriu até Outubro ou Novembro de 2014, lembram-se? E para dar um "pega rapaz" na legislação e fugir da responsabilidade fiscal a nossa querida Dilma aprovou a mudança no superávit. Vocês votaram nos senadores e deputados que aprovaram isso ein... não reclame. Fdp somos nós que elegemos. Mesmo que você não seja a maioria que elegeu essa galera, deixou de convencer seus empregados/prestadores de serviços e conhecidos que votaram neles...

Bem, o que Evo fez foi garantir o direito de ficar de 2003 a 2020 no poder com apenas duas eleições, sendo que a constituição local permite apenas uma reeleição pelo que compreendi.

E aí? Bolívia vai virar uma Venezuela?

Talvez não, quando a corda apertar aqui sabem que poderão contar com um país amigo como o Brasil e subir em 200% o preço do gás que a Petrobrás importa.

Nada mais justo do que transferir a inflação de país, não acham?

Bem, o que tem sido feito do lado social aqui me parece de grande valia, mas a que custo? É fácil dar dinheiro apra um pobre necessitado, todos querem fazer isso, até eu. Em ver a carinha desse povo nas estradas de terra carregando coisas pesadas nas costas andando de chinelo no barro, no sol, sob chuva, me parece algo mais que merecedor. Mas o país não produz riqueza suficiente para o governo gastar tanto e se comprometer financeiramente com o futuro. Afinal, 60% da população hoje tem até 25 anos. Quando chegarem aos 50/55 vão querer sua aposentadoria mesmo sem ter trabalhado. Daí não há sistema previdenciário que aguente.

O que virariam? Uma venezuela mais ao sul sem saída para o mar cujo maior importador é o Brasil? Compramos 41% ou mais do que eles vendem, basicamente o que vem pra nós é gás. Se dobrar o preço o gás a receita interna aumente absurdamente e fecham a conta. Mas até quando?

São 10 milhões de habitantes que no fim das contas, pagamos a conta de 4 milhões deles. De certa forma, com frieza, não é muita coisa para nós que somos 200 milhões de habitantes.

Todavia, olhando do lado boliviano, é um risco ter mais de 40% da receita alocada em apenas um cliente como Brasil, não acham? Afinal, se um dia formos autosuficientes na produção de gás, não precisaremos mais comprar deles, como a Argentina fez no passado.

Curiosidades econômicas e políticas à parte, vemos agora a etnica.

Não pude deixar de notar a primeira vez que vi um negro aqui na Bolívia. Até assustei, pois todos tem a mesma carinha de boliviano, aquele povo mais baixinho, corpo típico, cor morena, olhos puxados, assim como estes que moram em SP. No entanto, quando estávamos perto de Irupana, avistamos o que chamam de 1º povoado afro-boliviano. Uai, mais tem negro aqui? Sim, tem. E a história deles é tão triste quanto a dos negros que foram trazidos para o Brasil.

Os daqui entraram pela Colômbia e Equador pelos colonizadores espanhóis e foram usados nas minas em Potosí, nos antes, a uma altura de 4.000m sobre o mar. No que deu? Não aguentaram o frio e produziam pouco. Os indígenas locais produziam melhor no esquema de mita. E ao fugir, os escravos negros procuraram locais mais baixos, como a região de Irupana, que fica a 1.700m sobre o mar. Clima melhor, mais "amazônico", formaram suas vilas.

Não se miscigenaram muito, ficaram restritos a poucos povoados. Creio que aqui na Bolívia e em alguns pontos semelhantes do Perú foi o ponto mais ao sul no pacífico para onde os escravos negros foram trazidos.

É um tanto curioso o que a história fez, temos pessoas de origem africana num país de origem inca/quechua/aymara falando espanhol. Essa migração forçada ao longo do globo criou coisas tanto curiosas, quanto belas e também bizarras do ponto de vista humanitário. Veja-se o Haiti, uma ilha de exploração espanhola cujos escravos negros foram abandonados após a exaustão dos recursos destes locais.

Não seria justo cobrar da Espanha uma conta pela repatriação de escravos? Portugal, Inglaterra, França, Holanda e muitos outros colonizadores da época de 1.500 deviam pagar uma conta por conta da migração forçada de negros ao redor do globo. Afinal, a crise social imposta aos descendentes destes povos ao redor do mundo, em especial na América Central e do Sul, nem sempre fácil de engolir.

Discussões políticas, econômicas e sociais/demográficas superadas, notei que havia um caldeirão ao lado da recepção.

Era da família deles há 300 anos. Kct, 300? Sim, um caldeirão de cobre usado para fazer um prato típico de cordeiro. Nas últimas gerações fora usado para banho da Jacky quando era criança, sua mãe, etc...

A foto tem história.


Aproveitando para fazer a barba, aliás, o bigode.


Tinha gente de castigo no 1º andar por ter feito xixi no lugar errado...


Açougue é assim aqui na Bolívia, no meio da rua, com as carnes expostas para o cliente avaliar e os cachorros babarem.


Japa linda...


Luciana:

O dia infelizmente amanheceu chovendo muito e com bastante neblina e ficamos por aqui mesmo.
Tomamos café da manhã e ouvimos muitas histórias narradas acima pelo Luís. 
Ele ficou lá proseando mais um monte, mexendo nas fotos e internet e eu subi para ler. 
Minha mini Bíblia vai comigo no bolso em tds os lugares e hoje foi longamente lida.
Fiquei nas cobertas, só faltou o chocolate! Aliás, não como um chocolatinho desde que saímos do Brasil! 
Saímos tarde para almoçar e comemos o trivial daqui: Sopa de entrada e salada com frango. Hoje teve gelatina de sobremesa. 
Passamos na pelucheria e Luís aparou o bigodinho e minha vontade era de ficar por lá mesmo, fazendo hidratação no cabelo de Elba Ramalho que venho ilustrando nas fotos e assistindo Maria do Bairro que passava na TV. hahahah
Perto dos dias que tivemos, considerei o de hoje até entendiante. Não parece, mas não paro quieta, então minha cara era igual a da cachorrinha Lola estampada acima. Fiquei de castigo! 
Luís finalmente foi tomar o banho do dia agora para sairmos um pouquinho. 
Jantaremos e quem sabe conheceremos novas pessoas. Disso que eu gosto! 
Beijos!

11º dia: de Irupana a Coroico



LUÍS:

Sim, eu sei que você não sabe onde ficam essas cidades que citei acima, Irupana e Coroico não estão, nem de longe, nos destinos tradicionais na Bolívia, seja para viajantes normais, seja para motociclistas que gostam de uma viagem mais off road.

Eu também não conhecia. E sabe como conheci? Aliás, sabe como decidi passar por aqui?

Entrei no mapa do google maps e tracei a rota mais curta entre Cochabamba e Coroico. Mas você pergunta, porque Coroico?

Bem, sabe aquele programa do canal Nat Geo que aparecem uns caminhões em desfiladeiros a milhares de metros de altura? Então, aquilo geralmente é no himalaia e fizeram uns episódios nos andes bolivianos. E eu fui descobrir onde era isso na Bolívia e achei a tal "carretera de la muerte" ou estrada da morte no nosso idioma.

Li alguns artigos e publicações na internet e achei essa tal estrada da morte. Vi fotos e achei que dava para encarar. Então tracei a rota, que seria de La Paz a Coroico, maior parte pela terra. Como não queria fazer ida e volta, tracei um caminho entre Cochabamba e Coroico e depois La Paz.

Bem, o GPS aceitou, brigou e reclamou um pouco, tentou fazer desvios, mas me trouxe na maior parte da rota.

Os últimos três dias foram formidáveis. Recapitulando um pouco, saímos de Cochabamba que fica em um vale e subimos até 4.500m de altitude mais ou menos. São montanhas gigantes na saída da cidade sentido oeste que eu não acreditei que subiria toda. De fato subimos.

Passada a primeira "parede", começamos a descer um pouco, para 3.500m, passando por inúmeros vales e escalando montanhas e desfiladeiros com belas imagens que você pode ver nos dois últimos posts.

Passamos pela cidade de Independência, a maior que achei por ali, e decidimos acampar pouco depois da cidade, a menos de 1km, no meio de uma subida, onde havia um trecho relativamente plano e gramado, excelente para dormir e com uma certa segurança, pois era perto de algumas casas e da "cidade".

Fizemos um camping rústico e tivemos um jantar nas panelinhas de camping com pães comprados na vila. Excelente.

Choveu de madrugada até de manhã. Desmontamos barraca e seguimos viagem. Esse segundo dia nos meio do nada foi foda... o GPS nos levava por um caminho que indicava a existência de uma ponte para atravessar um rio. Mas fomos descendo o vale e a ponte não existia, havia apenas as estacas no chão do rio e nada ligava estas estacas.

Como havia marcas de pneus na rota segui, pois certamente seria possível atravessar.

Levou uma hora para atravessar, como vocês podem ver no post anterior. Muita água, lama e  pedras dificultavam bastante. Subimos o vale e chegamos a um povoado, comemos 6 ovos mexidos feitos na nossa panelinha, enchemos a barriga, comprei 2 litros de gasolina e seguimos. Bota molhada, calça molhada, complicado...

Nosso destino seria então Irupana, onde haveria um posto de combustível. A história de abastecer está no post anterior, vocês podem ver.

Dormimos ali e no dia seguinte peguei novas informações de rota para Coroico, o destino deste dia que relato aqui.

Havia dois caminhos. Um mais direto, com um desvio no qual eu poderia me perder, e outro "normal" pela estrada principal. A intenção inicial era pegar o desvio, mas isso não foi possível, pois os locais próximos ao desvio me aconselharam a não fazer isso, pois o risco de me perder seria grande.

Resolvemos então seguir pelo caminho normal. Fomos de Irupana até Ponte Villa.

De Puente Villa até Coroico havia outros dois caminhos, um com parte em asfalto e outro somente em terra, que era quase 1h mais curto.
Como não soube identificar qual seria o caminho mais curto pela terra, segui pelo caminho mais batido, seguindo os carros e caminhões ao longo da estrada de terra, o que me levou a subir as montanhas meio à neblina e o frio, passando por vales com rios com uma correnteza absurda, parecia que a cada 50m de estrada havia uma cachoeira e o rio era uma corredeira só. Para quem faz caiaque isso deve ser o paraíso se não fosse o frio de 13º C.

Subimos, subimos... até chegar no asfalto.

Nossa, essa é a palavra: asfalto!

Há 3 dias não sabia o que era isso, a moto até estranhou, andou meio devagar hehehehe

Subimos mais um pouco até uns 3.500m de altitude e depois começamos a descer para um vale onde haveria um posto policial que me orientaria para subir mais um pouco, pela terra, até Coroico.

Enfim chegamos a Coroico, e após uma busca por 5 ou 6 hoteis com preço bom e wi-fi escolhemos o Jamachi, um hotel pequeno e que fomos muitíssimo bem atendidos pela família que é dona. É um casal e cunhado que trabalham aqui e cuidam da casa muito bem.

A dificuldade então seria jantar, pois aqui eles descansam na segunda-feira, poucas coisas abrem. A maioria dos restaurantes fecham. Estava morrendo de vontade de comer uma carne de verdade, pois não aguentava mais comer frango (pollo), até porque é quase sempre apimentado e isso me conduz ao banheiro incessantes vezes.
Achamos uma pizzaria. O complicado é que tudo se paga em dinheiro e lá se foram mais 170 bolivianos (mais caro que o hotel, que custou apenas 100 bolivianos).

Curioso que antes achamos um hotel baratinho por 25 bolivianos sem TV no quarto. Meu, acredita, é o equivalente a R$ 10,00. Mas não ficamos neste, não havia garagem, tampouco internet.

Comemos, tomamos cervejas locais e duas Coronas importadas (saiu salgado isso...coisa importada aqui é bem cara). Uma Corona (mexicana) long neck custou 30 bs, equivalente a R$ 12.

Barriga cheia, fomos dormir na cama de viúva (não é tão pequena como uma de solteiro nem tão grande quanto uma de casal), que inclusive era no padrão boliviano, ou seja, curta. Fiquei com os pés para fora!

Choveu a noite toda, então seria improvável andar no dia seguinte com a moto na estrada da morte.

É isso aí, voltamos à civilização!

Luciana:

Foi o primeiro dia light!
Sair de Irupana com destino a Coroico foi tranquilo! Andamos cerca de 100km nas montanhas e levou umas 6h apenas e só demorou tanto porque ficamos das 15h às 16h esperando arrumarem a estrada que tinha caído muita rocha e terra.
O trânsito estava bem intenso, muitos carros e ônibus indo para La Paz.
Foi um alívio chegar no asfalto mas uma pena não ter mais a vista das montanhas. Brotam muitas mini cachoeiras delas...lindo lindo! Aqui não falta água!

Nossa, mas tava frio ein! Estava de 2ª pele + jaqueta + corta vento e ainda estava com frio. Até agora só senti calor em Santa Cruz de la Sierra, no comecinho da viagem. Mas como diz o Luís, eu começo a sentir calor com 30 graus, então não sou uma boa referência! Rs

Chegando em Coroico notamos que já estávamos com pouco dinheiro, então procuramos um hotel barato mas com wifi. Só achamos um hotel e estava muito caro para o que procurávamos: 280 bolivianos/noite (uns 110 reais).
Encontramos muitos hostals baratinhos mas sem wifi e de repente enquanto saía de um, mirei do outro lado da rua um hostal com wifi!
Entrei e perguntei o preço, visitei o quarto e o banheiro compartilhado. Tudo simples mas muito organizadinho.
Fomos muito bem recebidos, o que pra mim vale muito!
Digo isso porque aqui na Bolívia da a impressão que as pessoas te fazem favores ao vender seus serviços! Isso pra mim é quase um absurdo, pois sou uma anfitriã nata! Amo receber as pessoas e sei que se tivesse uma pousada ou qlq negócio relacionado a isso me empenharia para ser inesquecível para meus clientes!

Bem, mas como tudo não se pode generalizar, ao sairmos da pizzaria paramos numa lojinha pra comprar bolo. Eu tava com desejo. Lá conhecemos a Sra. Lily, de 85 anos! Ela mesma faz os bolos e o seu famoso flan de leite há mais de 48 anos! Na parede da sua loja tem uma homenagem linda da família e dos netos, com várias fotos e declarações de amor.
Pelo pouco que conversamos com ela, pois sendo a primeira pessoa que nos deu sua total atenção e simpatia, ela é de fato muito amável e merecida de todo afeto!
Tem filhas que trabalharam no Brasil, netos brasileiros e todos estudados e fala com muito orgulho disso!
A noite fechou de forma perfeita!

Fomos para nossa caminha de viúva baixinha e dormimos o sono dos justos!

E para quem acha que só posso estar apaixonada pelo Luís por topar estar nessa mega aventura com ele, saibam que já faz 17 anos! hahahaha

Saudades de todos! beijos e fiquem com Deus!

Agora, fotos e comentários do Luís:

Logo que saímos de Irupana avistamos uma chuva no vale. Então vamos vestir nosso modelito de chuva! Veja só a ist minion toda amarelinha hehehehe


Paramos para um belo almoço de frango feito na parrilla no povoado de Chulumani.


Abaixo, pose para foto em uma das estradas pelas quais passamos. Estavam todas neste padrão. Penhascos sem guard rail, aliás, nem sabem o que é isso aqui neste país eu acho hehehe


Já viram alguém mascar chiclete e fazer bola dentro do capacete? Yes, she can.


Já que a estrada estava parada por conta da queda de uma barreira, onde ficamos uma hora, aproveitamos para comer uma manga que havia sido apanhada no dia anterior, escovar os dentes, tomar esse chá diferente que parece um suco e vem com uma fruta dentro... não deu pra fazer xixi, tinha muita gente ali.


Inacreditavelmente há uma placa na saída de Chulumani ehehehe, logo adiante era o asfalto.


No jantar, na pizzaria com decoração diferente...


Luciana e dona Lily, 84 anos de muita simpatia e atenção aos clientes, que viram amigos. Enquanto comemos e batemos papo, outras 8 pessoas chegaram ali atrás do "flan de leche" com canela. Uma iguaria de Corioco, que provavelmente se perderá quando essa senhora se for. Diz ainda que na época escolar as crianças saem da escola e vão até lá comer o flan, míseros 2 bolivianos, menos de R$ 1,00


Vovózinha gente boa! Luís gorduchito depois de comer pizza, tomar cervejas, comer bolo e o flan de leche especial. Não tinha como ficar sem...




10° dia: de Independencia a Irupana

Luís:

Hoje foi o dia mais difícil da viagem.
Mas algumas situações, paisagens e momentos compensam, como essa abaixo, de uma família que andava de moto, pelos quais passamos e nos acenaram com uma alegria, em especial da criancinha no meio.


Chovera de madrugada até o amanhecer. Ainda bem que escolhi um bom lugar para armar a barraca, com uma inclinação ideal e gramado fofo, que absorve bem a água.

Acordamos e notei que pouco depois parou de chover, saiu um leve sol para ajudar a secar a barraca. Os insetos chegaram as dezenas, até pulgas apareceram, aranhas, de tudo para ficarem escondidos da chuva ali conosco. A maioria não entra, pois a barraca protege, mas da pra vê-los através da tela de proteção.

Um pedaço de pão de ontem e algumas tranqueiras de café da manhã, montamos as coisas e saímos.

A chuva fez a estrada ficar mole, com barro e poças em alguns trechos. Quase caímos três vezes por escorregar.

Andamos, andamos, belas paisagens apareciam.



Ao fundo já apareciam alguns picos nevados mais altos.

Passamos por alguns vilarejos perdidos no meio do nada.


Vimos lhamas soltas, tranquilas...


O caminho nos levaria até um rio, cujo nome não lembro agora, mas fica a nordeste de Quime, por onde passa a ruta 25.

Descemos até o vale e vi que a ponte para a travessia não estava construída, havia apenas a base.

Mas como havia estrada e marcas de pneu resolvi continuar.

Descemos o vale e nada, ninguém. O terreno em alguns pontos parecia concreto mole, pois a mistura de água, terra e pedaços de rocha era idêntica à concreto mole. Para passar, a Luciana descia, ia a pé e eu com a moto.

Deixei ela na base do vale e segui a estrada que estava difícil. Achei um garoto de uns 12 anos no meio do nada, perguntei se dava para atravessar e ele mostrou que a água não passava do joelho.

Voltar não era uma boa opção, então busquei a Luciana e fomos adiante.

Ao chegar no rio, desci e atravessei a pé para ver a profundidade e sentir a correnteza.

Sim, daria para passar.


O mais profundo era água no joelho e a técnica era não deixar a moto exposta a correnteza de lado, pois o arrasto é maior e risco de cair também. Então atravessei em 45°.

Deu certo, passamos pelos 40m de rio.

Achei que a missão travessia do rio estava completa, do outro lado até tirei a água da bota e pensei em seguir.

Que nada, adiante outro rio, ali era a junção de dois rios e só passara o primeiro.

O problema é que este segundo era mais largo e a correnteza mais forte, além de que mal dava para saber onde era o trilho pelo qual passavam os carros/caminhões.

Novamente fui a pé e cheguei a cair na água com a força da correnteza. Mas consegui descobrir como passar. Seria foda, bem foda.

Era mais de 120m de rio para atravessar, entre pontos de 1 palmo de profundidade até o joelho novamente, mas com um detalhe, correnteza mais forte e fundo lodoso, ou seja, mole, fácil para a moto atolar e não sair mais...


De repente apareceu o garoto que estava ali atrás no meio do nada, pedi ajuda e ele veio.

Mora num casebre ao lado do rio, bem
no meio do nada mesmo. Incrível o que uma família faz ali.


Esse é o Jhoel, que faz parte da nossa história agora.

Com muito esforço, atravessamos. A Ténéré é um trator de tanta força, mas tem que dosar para não cavar buraco com a roda traseira.

E o Mitas E-04 é o pneu ideal para uma viagem dessas. Nada de meia vida, tem que ser zero.

Quando saí de SP o dianteiro estava 80% e já sinto a diferença. A frente sai um pouco as vezes no solo molhado, no seco ainda vai bem.

Vale atravessado, vamos subir novamente a 3.000m de altitude. Olha a vista do vale e rio que atravessamos.


Nesses momentos da viagem, de atravessar um rio assim, a gente se pergunta: o que estou fazendo aqui?

Que falta faz a ponte, pois houve outros três rios e vales grandes como esse para atravessar, mas com pontes. Não levou nem 1 minuto. Ali gastamos 1h.

Subimos o vale e ali adiante havia uma vila. Fomos até uma venda e compramos algo pra comer. Não havia almoço. Comemos bananas e vi que a mulher tinha ovos para vender. Um omelete ou ovo mexido cairia muito bem!

Perguntei se ela podia fazer para nós, que nada, falou que não tinha pão. ??? Pão? Mas o que pão tem a ver com ovo mexido? Não precisa de pão, mas dai ela argumentou que não tinha quem cuidar da criança menor que estava ali na venda.

Bem, não queria fazer mesmo. Então comprei seis ovos e 500ml de óleo e veja no que deu. O óleo vai durar a viagem toda e provavelmente vai chegar até o Brasil quase cheio!


Nada como estar preparado.


Almoço repleto de proteína.

Até consegui comprar 2 litros de gasolina dela, por 18 bolivianos. Beeeem caro, na bomba é 3,47. Mas como ali é no meio do nada o preço ta justo, pois para essa gasolina chegar até ali andou bastante.

Seguimos viagem de barriga cheia e mais 2 litros no tanque. Inclusive mudamos o trajeto, pois a moça da venda disse que o caminho pelo qual íamos tinha mais 2 rios como aquele para passar.

Dai não tem mais gps, é só estrada sem placa e a rota é orientada por informações coletadas a cada pessoa que via, seja na estrada ou nos vilarejos.

A gasolina entrou na reserva, aqui fez média de 16km/litro com gasolina boa que em estrada normal faz 21 ao menos.

Chegamos a uma cidade que tinha um posto, mas as bombas estavam fechadas e havia um papel avisando: " atención mañana 29/12/2014".

Brincadeira, ia ter que dormir ali? O caminhão tanque estava ao lado da bomba e eles estavam fazendo as medições para fazer a descarga de combustível na madrugada de domingo pra segunda.

Insisti com os três que estavam ali e deu certo. De um balde no escritório tiraram 1 litro de gasolina escura. E o cara entrou  numa vala ao lado da bomba e pegou mais 2 litros do chão no fundo da bomba  ou da mangueira, não entendi bem, mas veio junto uma abelha e uma fruta.

Sim, tinha uma fruta na gasolina, parecia uma goiaba.

Nada como filtro de combustível.

3 litros mais por 20 bolivianos, sai da reserva novamente.

Eu sou cagado mesmo, cheguei ao posto domingo, fechado, e os funcionários estava lá pra fazer as medições. Vim na hora certa!!! Kkkk e ainda o cara entrou num buraco pra tirar gasolina. Não tinha como agradecer hehehe

Ah, lembrem-se que tenho ainda 10 litros de reserva no galão, mas estes são em último caso.

Avançamos e no próximo vilarejo comprei mais 5 litros no "mercado negro" como dizem aqui ao preço de 7 bs/litro.



Essas pessoas ficaram maravilhadas com a moto, até o valor perguntaram hehehe

Avançamos e aí chegamos na terra da manga. Sim, terra da manga. A cada 10m havia um pé de manga. Deve ser nativo aqui ou houve uma dispersão de sementes absurda na região.

Paramos em um pé e a Luciana pegou duas para comermos mais tarde.

Paramos em um belo local para descansar e comer minha manga hehehe.

Dai faltava pouco para chegar a Irupana, onde também havia um posto.

Enchi o tanque a preço local 3,47bs, total 58 bolivianos, equivalente a 23 reais.

Faz as contas ai e veja quantos litros foram.

Achamos um hotel, e na garagem aproveitei para regular mais a suspensão dianteira (que já estava boa) e apertar o suporte do farol demmha xênon, ele tava balançando. 

A suspensão dianteira eu soltei a compressão no máximo, para ela ser "encolhida" com facilidade, copiando melhor os buracos e transmitindo menos impacto para meus braços. E o retorno (força de esticar novamente) está duro, não no máximo, mas uns 80% do total.

Assim melhorou bastante já. Agora no máximo de compressão mole vou ver se fica ainda mais leve.

A traseira não tem jeito, tem que deixar meio dura e comprimida, pois o peso tá bem grande e se amolecer da final de curso.

Já o xênon fudeu, quebrou o suporte e o filho da dona do hotel me ajudou com durepoxi, aquela massa branca e cinza que misturamos e fica dura. Esse foi o Beto, que também gosta de mexer com moto, tem uma bros e é professor de informática na rede pública.

Aproveitei e tirei as peças do xênon que estavam na entrada de ar atrapalhando. Coloquei junto aos cabos de direção.

Estava vazando um pouco de óleo pelo cardã, se não parar vou dar uma olhada com calma em alguma oficina em La Paz, lá talvez tenha Yamaha.

Comemos frango frito, bem temperado, que na manhã seguinte me conduziria ao banheiro duas vezes.

Antes de deitar, um sorvetinho na venda, é claro.

Dia difícil, hora de descansar.

Luciana:

O dia começou tão bom depois de 11h de sono na barraca e as paisagens estavam belíssimas mesmo com neblina e frio. 
Fiquei impressionada com os picos nevados, já tinha valido a pena cada km andado. 



Saímos às 8:50h do local de camping e chegamos perto do meio dia no local de travessia, onde estava o bendito rio.

Nessa hora eu me perguntei várias vezes o que eu estava fazendo ali. Não gosto de me sentir insegura e a parte de colocar os pés na água e passar a pé foi o de menos mas o que me apavorou foi fazer isso e ainda passar com a moto, tudo sozinhos! Lá é terra de ninguém!!! 



Feito isso, chorado um pouquinho, eis que aparece mais os montes de rios. 
Eu não queria acreditar que tínhamos que fazer a travessia. 
Enquanto Luis foi reconhecer o terreno, fiquei segurando a moto na beirada e orando. Eu dizia: Deus, estamos sozinhos aqui! E se a moto atolar e cair na água igual aconteceu com a moto do Roberto? No meu coração a resposta: vcs e Deus são a maioria. Vá em frente!



Não foi nada fácil pra mim. Atravessei a pé aos prantos, o medo me cegou num ponto do rio que parei pra respirar e continuar. Eu precisava deixar os capacetes, jaquetas e miudezas do outro lado e voltar pra ajudar o Luis a fazer a travessia. 
Luis me orientava aos berros porque era longe e a correnteza fazia barulho então eu precisava me recompor para entendê-lo.
Voltei chorando menos e nessa hora aparece o bendito Johel! 
Começamos e enquanto Luis passava de moto e eu o ajudava a desatolar, Johel nos ajudava a ver onde era mais raso ou menos mole. 
Nessa hora meu medo já tinha passado e eu tava com uma coragem e força de quem tinha nascido lá! Só faltou um mergulho! Rs 
Entendi que eu precisava ter passado por tudo isso!!!
É muito bom vencer seus gigantes :D

O resto da história já está narrada pelo Luis. Foi bem cansativo mesmo! As dores no corpo já excederam a tudo o que já fiz de mais exaustivo na vida, mas minhas forças tem sido renovadas diariamente milagrosamente! 

To com saudades de bastante gente! Penso e oro por cada um todos os dias e agradeço a tds que tem orado por nós! 

Seguiremos para Coroico então! 
Beijos!




9° dia: de Cochabamba a Independencia

A VISÃO DELE : LUIS

Este post está sendo escrito a 3.008m de altitude de dentro da nossa barraca que foi montada sobre um gramado à beira da estrada alguns km após a cidade ou vilarejo de Independencia.

Se procurar no mapa provavelmente não vai achar.

Saímos tarde de Cochabamba, pois aproveitamos para fazer câmbio, postar os dois últimos dias, ir à farmácia comprar alguns itens necessários. Abastecemos, isso é sempre aquela novela do galão...

Aproveitamos e almoçamos na saída da cidade. Novamente uma sopa de entrada e um prato com arroz, cozido e mais algo. Delicioso.

Cochabamba fica a 2.500m de atitude e para onde vamos se chama Coroico.

Havia um caminho passando por La Paz, por autoestrada, mas dai não tem graça,

Resolvemos encarar mais um trajeto meio aos Andes pela terra.

Não podia ser melhor. A vista compensa o cansaço, a demora, a diminuição do rendimento do consumo de combustível...tudo.

Andamos a 4.500m de altitude meio às lhamas, próximo às nuvens e com aquela vista dos picos nevados que só os Andes podem propiciar.

Os casebres daqui mais parecem de vilarejos da idade média. As culturas de batata, milho e outros grãos sobre penhascos a mais de 3.000m só mostram que esse povo boliviano é mestre em sobreviver nessa regiao tão alta.

Passamos no vilarejo de Independencia e compramos alguns pães e 3 garrafas de água de 300ml, o suficiente pra cozinhar nosso strogonoff de carne liofilizado.

Com pão para o molhinho, ficou excelente!

Curioso é que pouco antes de chegarmos ao vilarejo uma chuva vinha no vale mais ou menos na nossa direção. Achei que pudesse chover, mas não era certeza. A direção das nuvens e vento indicavam que passaria bem ao lado da vila. Ao comprar os pães, um senhor de uns 85 anos sentado na frente da barraca/quitanda me viu olhando para as nuvens e comentava que a chuva não ia chegar aqui, ia ficar no "serro" do lado.

Experiente e mora aqui há décadas provavelmente, estava certo, não choveu.

Oito da noite, já está escuro. Hora de dormir para acordar cedo amanhã, pois temos mais 350km de penhascos para andar e só foram 144km em 6h hoje.

Diretamente do meio do nada, para onde dificilmente voltarei outra vez na vida (por isso aproveito cada instante),  boa noite!

A VISÃO DELA: LUCIANA

Tivemos uma otima noite de descanso e isso pra mim foi providencial para encarar o trajeto de hoje.

Na saida da cidade, aquele anda e para de Cochabamba até conseguirmos abastecer com o galão. 
Quando paramos para almoçar eu me estressei com a mocinha que atendia porque ela não sabia se comunicar com clareza. O povo aqui fala pra dentro e não tem muita eloquência. Mas ok, almoço servido.

Findado, começamos a subir e quando chegamos a 4000m de altitude paramos para colocar mais roupas. Eu já estava congelando e queria matar o Luis que não parava de me pedir pra tirar fotos! Ocorre que eu tava com uma luva grossa e toda vez que eu precisava tirar fotos eu tirava a luva pra ter sensibilidade e manusear a máquina/celular.
Tudo valeu a pena, lindas paisagens, obras de arte do Criador!

Todas as vilas que passamos são muito simples, incrível como esse povo vive aqui! Não pude deixar de notar que a população de cães é altíssima, acho que uns 2 por habitante e vivem daquele jeito que morro só de ver...largados, muito magros! 

Chegamos na mini cidade Independencia  no horário certo! Pegamos nosso pãozinho e bora achar um canto pra acampar. Hoje não tem banho, banheiro, pia nem nada. Vai ser lencinho umedecido e matinho pro xixi...rsrs. 

Já jantamos e agora estou quentinha no meu saco de dormir, repousando meu esqueleto judiado. Tive muitas dores lombares esses últimos dois dias mas é porque foi punk!

O mais importante é escolher como passar por tudo isso. Jamais faria um passeio desse por escolha própria mas amar é ceder e tantos outros detalhes me fazem feliz que não posso reclamar mas agradecer por ter essa preciosa oportunidade!!

Fotos e comentários do Luis:

Ao fundo, Cochabamba. Atenção à estrada...do jeito que eu gosto.

Vista do hotel na cidade


Sem prédios altos, só morro!


Olha para onde fomos: subimos o morro desta foto até 4.500m de altitude


Quase esqueci do almoço!


A lhama tava com calor a 4.500m de altitude e entrou no rio pra molhar a bunda 


Picos nevados


Gostou do lago?


É desse?







sábado, 27 de dezembro de 2014

8º dia: 26/dez/2014 de Santa Cruz de la Sierra a Cochabamba a 3.677m de altitude!

A VISÃO DELE: LUÍS

Eu não disse que hoje foi "do caralho"?
Desculpem a palavra, mas não encontrei outra melhor para transmitir a sensação de viajar por este caminho escolhido a dedo.

Olha por onde andamos:


Há basicamente três caminhos entre Santa Cruz de la Sierra e Cochabamba. Um pelo norte, outro pelo sul, sendo 100% asfalto. E um pelo meio, que tem um trecho de terra. Veja na imagem do mapa oficial do país aqui abaixo.

Se olhar com calma, verá o trecho marrom (terra) entre Comarapa e Epizana. Essa foto acima foi tirada ali...bem ali no meio desse trecho.


O caminho foi sensacional. Durou umas 9h quase, mas valeu a pena. Vamos subindo, subindo...partimos de 440m em Santa Cruz, para uns 1.300 em Comarapa. Depois é uma subida só. Parece aquelas subidas de montanha russa hehehe. Fomos a 3.000m de altitude.

Quando paramos para almoçar em Comarapa a mulher do restaurante conversou conosco e disse que no caminho tinha um lugar que se chamava "la Sibéria", pois qualquer coisa começa a nevar quando a neblina é forte e o frio também. Mas nem podia ser diferente...vocês vão ver só.

Antes, vamos à saída de Sta Cruz.

Como gasolina é um bem precioso e escasso, comprei um galão para reserva. Queria de 5 litros, mas o menor era de 10 litros.



A loja tinha de tudo, até elástico pra amarrar o galão achei. Preço total, 30 bolivianos, equivalente a uns 12 reais.

Para comprar gasolina, foi aquele esquema de pegar o galão, ir a pé até o posto, encher...voltar.

Deu certo, paguei 38 bolivianos por 10 litros. Dá mais ou menos R$ 1,5 por litro.




Tanque cheio, seguimos viagem.

Aos poucos a estrada ia ficando mais estreita e com mais estragos, quedas de barreiras, etc.

A paisagem ia mudando e íamos subindo devagar. Chegamos a 2.000m de altura e nada. Pouco mais que Monte Verde/MG.

Paramos para almoçar num lugar que só descobri que de fato era restaurante quando vi uma pessoa com garfo dentro do estabelecimento.

A comida estava excepcional. A começar por uma sopa deliciosa. Mais simples impossível. Lugar de pessoas nada sofisticadas, mas que nos atendem muito bem e cozinham excelentemente.

Barriga cheia, tomamos um café, que aqui não é coado normalmente, mas batido. Misturam o pó na água e depois põe na xícara.


A entradinha eram uns milhos gigantes cozidos.


O legal foi o refri, suave como uma h2o.


O céu estava lindo.


Seguimos viagem. E aí a estrada mudou, tornou-se terra ao invés de asfalto, e começou a subida.

Era tudo o que eu queria. Se desse para por uma câmera dentro do capacete vocês veriam as fotos dos sorrisos ao ver as paisagens deslubrantes da subida.

1.600m, 1.800m, 2.000m...sobe... 2.500m, 3.000m... até agora nenhum mal da altitude.

Só as nuvens chegando perto da gente e encobrindo parte da paisagem.


Na subida, com a cidade onde almoçamos ao fundo.


Subindo...


No meio dos andes, a paisagem muda, apesar do verde continuar aqui, 2.600m ali na foto de baixo.


Já no vale, a ponte também tem uma bela paisagem.



De repente fechou tudo, ficou uma neblina total. Na verdade estávamos no meio da nuvem. Ficou tudo úmido e começou a molhar a jaqueta, embaçar a viseira...não via mais nada. Era praticamente uma garoa. Daí um farol queimou. Liguei o milha (xenon) para me verem no meio do nada.

A estrada de terra já era de barro, firme, mas de barro... estava uma delícia.

Anda, anda...não vê nada além de 5m adiante.

Chegamos a "la Sibéria", onde aproveitei para colocar os 10 litros que estavam no galão diretamente no tanque da moto. Gambiarra feita, vamos adiante.

Olha só a altitude do lugar.


Tem até hospital hehehe.


Parada para reabastecer.


Depois disso eu achei que ia começar a descer, pois Cochabamba fica a 2.500m de altitude. Que nada, subiu mais ainda. O tempo abriu e as paisagens ficaram mais lindas ainda.

Ao fim da terra paramos num vilarejo para comer. Tinha umas tias com umas carriolas e uns pães em cima, outra vendendo espetinho de sabe lá o que, um suco estranho...vamos provar!


O meu estômago de avestruz aceita quase tudo desses negócios locais diferentes.

O pão era uma empanada gigante assada recheada de queijo ou queijo + tomate + aji.

Aji? Aji o kct, nem a pau eu como isso. Fomos na de queijo.

O suco era de canela. Sim, de canela, acreditem. Uma delícia.

Enquanto comíamos a tia do meio tirava piolho da filha dela. De repente ela colocava a mão na boca. Tirava outro piolo, mão na boca, piolho, mão na boca.

Kct mano, ela comia os piolhos! Custamos a acreditar. Parece até os macaquinhos do national geographic tirando piolhos um dos outros. Daí a nossa origem...que nem todos aceitam hehehe.

Estômago forrado, seguimos viagem e tinha um posto neste vilarejo. Era em...Epizana. Esquema galão na mão, mais 10 litros de garantia. O trecho do dia era de 500km, mas na terra consome um pouco mais por conta do sobe e desce.

Ao invés de colocar a gasolina com uma garrafinha pet de funil, consegui uma mangueira na borracharia. Sabe no que deu? Bebi gasolina, kkkkkkk, a mangueira era muito curta e não tinha sensibilidade nem dava pra ver o combustível.

Que merda, fiquei arrotando gasolina das 17h até 23h da noite. Ainda bem que ali onde compramos a empanada comprei também um chiqulete, providencial.

Já no asfalto, era só plantação ao redor da rodovia. Pequenas áreas cultivadas de tudo o que podemos imaginar. E o mais cuioso é que eles plantam em um desnível absurdo. Tudo manual, pois trator não sobe barranco.



Continuamos a subir....até 3.677m quando chegamos ao topo daquele local. Em seguida, uma descida pra Cochabamba, que por sinal não chegava nunca.

No caminho parei numa loja de "repuestos" e comprei duas lâmpadas, pois as duas estavam queimadas. Vagabundinhas...era umas azuis que troquei a pouco tempo para combinarem com o xenon, mas não aguentaram o balanço na terra.

Lâmpadas fabricadas pela Philips novas, vamos ao caos do trânsito da cidade de Cochabamba.

Que zona, a cidade inteira parece uma 25 de março. O local é gente e ônibus, táxi, cachorro, sacoleiro, moto, tudo junto. Não existe calçada e a que existe está ocupada por uma barraca.

Difícil achar hotel assim, mas encontramos um perto da praça central, 240 bolivianos, vamos jantar.

A moto ficou dentro da recepção!


Uma breve passada pela praça central em busca de restaurante, só tinha uma igreja com uma torre bonita.


Os ônibus aqui são os mais coloridos!


Olha o nome do local do café da manhã hehhe


É isso aí. Cansativo, mas sensacional.

A VISÃO DELA: LUCIANA

O passeio começou com um calorão de Santa Cruz e na metade pra frente um friozão que me deixou imóvel na moto. Eu sofro com o frio e quando disseram que passaríamos por um lugar chamado "La Siberia" eu já pensei que seria complicado pra mim.

Foi um trajeto longo, sem asfalto na grande maioria, mas muito bonito!





Esse trajeto cansou e quando estávamos perto da cidade eu já estava bem aliviada já sonhando com um banho quente. Também estava com fome.
Cochabamba é bem bagunçada e caótica mas graças a Deus fomos mais uma vez supridos com tudo o que precisávamos e exatamente da forma que tenho pedido.
Olha o nome da bolacha!!! É providência dos céus ou não? :D


#partiumaisumaaventura!!

Beijos

P.S.: Hoje tem mais 500km de terra, o google maps fala que são 18h até Coroico. Quem sabe faremos me menos tempo rs

Camping rústico à vista!