terça-feira, 30 de dezembro de 2014

10° dia: de Independencia a Irupana

Luís:

Hoje foi o dia mais difícil da viagem.
Mas algumas situações, paisagens e momentos compensam, como essa abaixo, de uma família que andava de moto, pelos quais passamos e nos acenaram com uma alegria, em especial da criancinha no meio.


Chovera de madrugada até o amanhecer. Ainda bem que escolhi um bom lugar para armar a barraca, com uma inclinação ideal e gramado fofo, que absorve bem a água.

Acordamos e notei que pouco depois parou de chover, saiu um leve sol para ajudar a secar a barraca. Os insetos chegaram as dezenas, até pulgas apareceram, aranhas, de tudo para ficarem escondidos da chuva ali conosco. A maioria não entra, pois a barraca protege, mas da pra vê-los através da tela de proteção.

Um pedaço de pão de ontem e algumas tranqueiras de café da manhã, montamos as coisas e saímos.

A chuva fez a estrada ficar mole, com barro e poças em alguns trechos. Quase caímos três vezes por escorregar.

Andamos, andamos, belas paisagens apareciam.



Ao fundo já apareciam alguns picos nevados mais altos.

Passamos por alguns vilarejos perdidos no meio do nada.


Vimos lhamas soltas, tranquilas...


O caminho nos levaria até um rio, cujo nome não lembro agora, mas fica a nordeste de Quime, por onde passa a ruta 25.

Descemos até o vale e vi que a ponte para a travessia não estava construída, havia apenas a base.

Mas como havia estrada e marcas de pneu resolvi continuar.

Descemos o vale e nada, ninguém. O terreno em alguns pontos parecia concreto mole, pois a mistura de água, terra e pedaços de rocha era idêntica à concreto mole. Para passar, a Luciana descia, ia a pé e eu com a moto.

Deixei ela na base do vale e segui a estrada que estava difícil. Achei um garoto de uns 12 anos no meio do nada, perguntei se dava para atravessar e ele mostrou que a água não passava do joelho.

Voltar não era uma boa opção, então busquei a Luciana e fomos adiante.

Ao chegar no rio, desci e atravessei a pé para ver a profundidade e sentir a correnteza.

Sim, daria para passar.


O mais profundo era água no joelho e a técnica era não deixar a moto exposta a correnteza de lado, pois o arrasto é maior e risco de cair também. Então atravessei em 45°.

Deu certo, passamos pelos 40m de rio.

Achei que a missão travessia do rio estava completa, do outro lado até tirei a água da bota e pensei em seguir.

Que nada, adiante outro rio, ali era a junção de dois rios e só passara o primeiro.

O problema é que este segundo era mais largo e a correnteza mais forte, além de que mal dava para saber onde era o trilho pelo qual passavam os carros/caminhões.

Novamente fui a pé e cheguei a cair na água com a força da correnteza. Mas consegui descobrir como passar. Seria foda, bem foda.

Era mais de 120m de rio para atravessar, entre pontos de 1 palmo de profundidade até o joelho novamente, mas com um detalhe, correnteza mais forte e fundo lodoso, ou seja, mole, fácil para a moto atolar e não sair mais...


De repente apareceu o garoto que estava ali atrás no meio do nada, pedi ajuda e ele veio.

Mora num casebre ao lado do rio, bem
no meio do nada mesmo. Incrível o que uma família faz ali.


Esse é o Jhoel, que faz parte da nossa história agora.

Com muito esforço, atravessamos. A Ténéré é um trator de tanta força, mas tem que dosar para não cavar buraco com a roda traseira.

E o Mitas E-04 é o pneu ideal para uma viagem dessas. Nada de meia vida, tem que ser zero.

Quando saí de SP o dianteiro estava 80% e já sinto a diferença. A frente sai um pouco as vezes no solo molhado, no seco ainda vai bem.

Vale atravessado, vamos subir novamente a 3.000m de altitude. Olha a vista do vale e rio que atravessamos.


Nesses momentos da viagem, de atravessar um rio assim, a gente se pergunta: o que estou fazendo aqui?

Que falta faz a ponte, pois houve outros três rios e vales grandes como esse para atravessar, mas com pontes. Não levou nem 1 minuto. Ali gastamos 1h.

Subimos o vale e ali adiante havia uma vila. Fomos até uma venda e compramos algo pra comer. Não havia almoço. Comemos bananas e vi que a mulher tinha ovos para vender. Um omelete ou ovo mexido cairia muito bem!

Perguntei se ela podia fazer para nós, que nada, falou que não tinha pão. ??? Pão? Mas o que pão tem a ver com ovo mexido? Não precisa de pão, mas dai ela argumentou que não tinha quem cuidar da criança menor que estava ali na venda.

Bem, não queria fazer mesmo. Então comprei seis ovos e 500ml de óleo e veja no que deu. O óleo vai durar a viagem toda e provavelmente vai chegar até o Brasil quase cheio!


Nada como estar preparado.


Almoço repleto de proteína.

Até consegui comprar 2 litros de gasolina dela, por 18 bolivianos. Beeeem caro, na bomba é 3,47. Mas como ali é no meio do nada o preço ta justo, pois para essa gasolina chegar até ali andou bastante.

Seguimos viagem de barriga cheia e mais 2 litros no tanque. Inclusive mudamos o trajeto, pois a moça da venda disse que o caminho pelo qual íamos tinha mais 2 rios como aquele para passar.

Dai não tem mais gps, é só estrada sem placa e a rota é orientada por informações coletadas a cada pessoa que via, seja na estrada ou nos vilarejos.

A gasolina entrou na reserva, aqui fez média de 16km/litro com gasolina boa que em estrada normal faz 21 ao menos.

Chegamos a uma cidade que tinha um posto, mas as bombas estavam fechadas e havia um papel avisando: " atención mañana 29/12/2014".

Brincadeira, ia ter que dormir ali? O caminhão tanque estava ao lado da bomba e eles estavam fazendo as medições para fazer a descarga de combustível na madrugada de domingo pra segunda.

Insisti com os três que estavam ali e deu certo. De um balde no escritório tiraram 1 litro de gasolina escura. E o cara entrou  numa vala ao lado da bomba e pegou mais 2 litros do chão no fundo da bomba  ou da mangueira, não entendi bem, mas veio junto uma abelha e uma fruta.

Sim, tinha uma fruta na gasolina, parecia uma goiaba.

Nada como filtro de combustível.

3 litros mais por 20 bolivianos, sai da reserva novamente.

Eu sou cagado mesmo, cheguei ao posto domingo, fechado, e os funcionários estava lá pra fazer as medições. Vim na hora certa!!! Kkkk e ainda o cara entrou num buraco pra tirar gasolina. Não tinha como agradecer hehehe

Ah, lembrem-se que tenho ainda 10 litros de reserva no galão, mas estes são em último caso.

Avançamos e no próximo vilarejo comprei mais 5 litros no "mercado negro" como dizem aqui ao preço de 7 bs/litro.



Essas pessoas ficaram maravilhadas com a moto, até o valor perguntaram hehehe

Avançamos e aí chegamos na terra da manga. Sim, terra da manga. A cada 10m havia um pé de manga. Deve ser nativo aqui ou houve uma dispersão de sementes absurda na região.

Paramos em um pé e a Luciana pegou duas para comermos mais tarde.

Paramos em um belo local para descansar e comer minha manga hehehe.

Dai faltava pouco para chegar a Irupana, onde também havia um posto.

Enchi o tanque a preço local 3,47bs, total 58 bolivianos, equivalente a 23 reais.

Faz as contas ai e veja quantos litros foram.

Achamos um hotel, e na garagem aproveitei para regular mais a suspensão dianteira (que já estava boa) e apertar o suporte do farol demmha xênon, ele tava balançando. 

A suspensão dianteira eu soltei a compressão no máximo, para ela ser "encolhida" com facilidade, copiando melhor os buracos e transmitindo menos impacto para meus braços. E o retorno (força de esticar novamente) está duro, não no máximo, mas uns 80% do total.

Assim melhorou bastante já. Agora no máximo de compressão mole vou ver se fica ainda mais leve.

A traseira não tem jeito, tem que deixar meio dura e comprimida, pois o peso tá bem grande e se amolecer da final de curso.

Já o xênon fudeu, quebrou o suporte e o filho da dona do hotel me ajudou com durepoxi, aquela massa branca e cinza que misturamos e fica dura. Esse foi o Beto, que também gosta de mexer com moto, tem uma bros e é professor de informática na rede pública.

Aproveitei e tirei as peças do xênon que estavam na entrada de ar atrapalhando. Coloquei junto aos cabos de direção.

Estava vazando um pouco de óleo pelo cardã, se não parar vou dar uma olhada com calma em alguma oficina em La Paz, lá talvez tenha Yamaha.

Comemos frango frito, bem temperado, que na manhã seguinte me conduziria ao banheiro duas vezes.

Antes de deitar, um sorvetinho na venda, é claro.

Dia difícil, hora de descansar.

Luciana:

O dia começou tão bom depois de 11h de sono na barraca e as paisagens estavam belíssimas mesmo com neblina e frio. 
Fiquei impressionada com os picos nevados, já tinha valido a pena cada km andado. 



Saímos às 8:50h do local de camping e chegamos perto do meio dia no local de travessia, onde estava o bendito rio.

Nessa hora eu me perguntei várias vezes o que eu estava fazendo ali. Não gosto de me sentir insegura e a parte de colocar os pés na água e passar a pé foi o de menos mas o que me apavorou foi fazer isso e ainda passar com a moto, tudo sozinhos! Lá é terra de ninguém!!! 



Feito isso, chorado um pouquinho, eis que aparece mais os montes de rios. 
Eu não queria acreditar que tínhamos que fazer a travessia. 
Enquanto Luis foi reconhecer o terreno, fiquei segurando a moto na beirada e orando. Eu dizia: Deus, estamos sozinhos aqui! E se a moto atolar e cair na água igual aconteceu com a moto do Roberto? No meu coração a resposta: vcs e Deus são a maioria. Vá em frente!



Não foi nada fácil pra mim. Atravessei a pé aos prantos, o medo me cegou num ponto do rio que parei pra respirar e continuar. Eu precisava deixar os capacetes, jaquetas e miudezas do outro lado e voltar pra ajudar o Luis a fazer a travessia. 
Luis me orientava aos berros porque era longe e a correnteza fazia barulho então eu precisava me recompor para entendê-lo.
Voltei chorando menos e nessa hora aparece o bendito Johel! 
Começamos e enquanto Luis passava de moto e eu o ajudava a desatolar, Johel nos ajudava a ver onde era mais raso ou menos mole. 
Nessa hora meu medo já tinha passado e eu tava com uma coragem e força de quem tinha nascido lá! Só faltou um mergulho! Rs 
Entendi que eu precisava ter passado por tudo isso!!!
É muito bom vencer seus gigantes :D

O resto da história já está narrada pelo Luis. Foi bem cansativo mesmo! As dores no corpo já excederam a tudo o que já fiz de mais exaustivo na vida, mas minhas forças tem sido renovadas diariamente milagrosamente! 

To com saudades de bastante gente! Penso e oro por cada um todos os dias e agradeço a tds que tem orado por nós! 

Seguiremos para Coroico então! 
Beijos!




4 comentários:

  1. Sensacional! Experiência de vida q iram com vcs até o final!
    Pegando minha motoca nova vou quere fazer uma trip com vcs e minha garupa-esposa!
    Abs e boa viagem! Vão com Deus, sempre!

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    1. heheheh, essa do rio foi legal, na hora é foda, vc só pensa o que ta fazendo la no meio do nada e a sua moto pode ir pro vinagre. Mas depois que passa é legal. Tem que ter frieza.

      Pega logoe ssa motoca e vamos pra canastra rapaz!

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  2. caaaralho mano !!!
    interessante o relato desse dia de vcs 2 !!!!
    fiquei imaginando a cena da travessia do rio....eh largo pra kct !!! tem q ter culhao hein....ainda mais carregadao do jeito q vcs tao... e num vilarejo q se vc tombasse nem joel nem o chapolin colorado poderiam ajudar a desvirar a moto encalhada.....vish mano !!!! bota teeeensu nisso hein !!!!!
    Luciana..
    e visualizei em detalhes tudo do jeito q vc falou...pq se eu estivesse com a Jo...passaria pela mesma situacao !!!! (ja passei por similar, algum dia te conto)....
    mas nessas hrs nao tem o q fazer....
    senao encarar !! face the facts...its the only way !, heheheh
    bem legal a trip de vcs !! to ficando cada vez mais com vontades de ir tb !! dpois de ler cada relato !!! muito massa !!!!
    bom role pra vcs !!!! e SORTE !! MUITA !!

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    1. Fala bixo, essa travessia foi foda mesmo, tive que ir antes para ver a correnteza e a profundidade. Ainda bem que o primeiro rio era mais de boa, apesar de ter correnteza forte nao passava do joelho e atravessar meio em diagonal foi otimo, aliviou o arrasto.
      Só que eu tava todo felizão achando que era so um rio...que nada, tinha um segundo e era facil facil uns 100-120 m de agua pra cruzar, sendo razinho em uns pontos e até o jolho ou acima em outros. o dificil era evitar os pontos de maior correnteza e de lama mole, pois a moto afundava e fodia tudo.

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